
Verifica-se na atualidade a existência de núcleos familiares de composição bastante heterogênea, congregando como cônjuges pais ou mães que ficam com a guarda de seus filhos naturais ou adotivos, filhos esses que muitas vezes convivem com os filhos do outro cônjuge ou companheiro ou companheira, nascidos de relacionamentos anteriores, formando o que chamamos de família mosaico.
Em determinados casos, essa diversidade de relacionamentos poderá trazer certas dificuldades na elaboração de um planejamento sucessório, mas é importante observar que a lei já regula essas situações, que vêm sendo paulatinamente reconhecidas pela jurisprudência de nossos tribunais, que admitem a dupla paternidade, ou seja, a natural e a socioafetiva, tendo o Supremo Tribunal Federal decidido pela repercussão geral de um caso em que se discute a prevalência da paternidade socioafetiva sobre a paternidade biológica (é o caso do Agravo em Recurso Extraordinário nº 692.186-RG-PB, a cargo do Ministro LUIZ FUX, ainda pendente de julgamento em seu mérito, cuja discussão central irá resolver se a preferência da realidade biológica, em detrimento da realidade sócioafetiva, não priorizaria as relações de família que têm por base o afeto).
As chamadas paternidade e maternidade socioafetivas consistem em realidades indiscutíveis atualmente, decorrendo da chamada família extensa ou ampliada, cuja definição é dada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, que diz no parágrafo único do seu art. 25: Entende-se por família extensa ou ampliada aquela que se estende para além da unidade pais e filhos ou da unidade do casal, formada por parentes próximos com os quais a criança ou adolescente convive e mantém vínculos de afinidade e afetividade.
Crianças que passam a conviver com outras pessoas, como padrastos e madrastas, formam vínculos que podem desaguar nas chamadas maternidade e paternidade socioafetivas, pois, estabelecendo-se relações de afinidade e de afetividade em razão da convivência constante, com preocupações e cuidados como os dispensados aos filhos naturais e adotivos (levar à escola, às aulas de inglês, judô, dança e balé; levar ao médico; incluir no plano de saúde; participar de reuniões de pais nas escolas; adotar conduta de responsável pelo menor etc), isso pode fazer surgir a pretensão de se reconhecer por decisão judicial essa relação. Daí, uma decisão judicial que reconheça essa relação estabelecerá o vínculo de parentesco por afinidade entre os filhos de um cônjuge com outra pessoa e/ou o companheiro ou a companheira desse cônjuge, trazendo para o cenário um filho ou uma filha que deverão ser considerados no contexto sucessório desse pai ou dessa mãe socioafetivos.
Assim, a paternidade e a maternidade socioafetivas reconhecidas por decisão judicial trarão implicações hereditárias, fazendo jus esse filho ou filha por afinidade ao quinhão a que um filho natural ou adotivo teria direito, com os mesmos direitos hereditários, como, por outro lado, tornando os pais socioafetivos também em herdeiros necessários desse ou dessa jovem, equiparando-se essa situação ao parentesco estabelecido em linha reta descendente ou ascendente.
Então, ao se buscar um planejamento sucessório, será preciso considerar essas relações, que certamente trarão implicações extremamente importantes no contexto a ser tratado, principalmente os aspectos ligados aos direitos hereditários a que fazem jus essas pessoas que têm reconhecidos esses vínculos socioafetivos.
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