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A penhorabilidade dos planos de previdência privada


Um de nossos seguidores no Linkedin relata que foi orientado pelo gerente de um banco a fazer aplicações em um plano de previdência privada, PGBL ou VGBL, que lhe disse ser impenhorável o capital formado pelos aportes. Ele quer saber se procede essa posição.


A discussão sobre a possibilidade de penhora dos aportes feitos a planos de previdência privada não é nova. As instituições financeiras se valem para vender esses produtos de vários argumentos, inclusive no sentido de que o capital não pode ser atingido por penhoras decorrentes de processos judiciais de qualquer natureza (trabalhista, tributária ou mesmo civil).


Essa segurança entretanto é relativa, conforme se verá a seguir, pois o Superior Tribunal de Justiça tem resolvido que os aportes acumulados que formam o capital desses planos consiste em investimento financeiro, não tendo em princípio natureza alimentar, necessitando, para assim se configurar, de demonstração cabal quanto à indispensabilidade dos valores para o sustento próprio e o da família.


Considerada a cronologia das decisões a respeito, o Superior Tribunal de Justiça havia proclamado em 16 de dezembro de 2008 a impenhorabilidade desses fundos, conforme se vê pelo acórdão proferido no Recurso Especial nº 1.012.915-PR, do qual foi relatora a Ministra NANCY ANDRIGHI e cuja decisão afirmou naquela ocasião: Os proventos advindos de aposentadoria privada de caráter complementar têm natureza remuneratória e se encontram expressamente abrangidos pela dicção do art. 649, IV, CPC, que assegura proteção a ‘vencimentos, subsídios, soldos, salários, remunerações, proventos de aposentadoria, pensões, pecúlios e montepios; as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal’. (REsp nº 1.012.915-PR, Relatora Ministra NANCY ANDRIGHI, Terceira Turma, julgado em 16/12/2008, DJe 3/2/2009).


Entretanto, em outro caso o mesmo Superior Tribunal de Justiça posicionou-se de forma diferente, afirmando então a natureza de investimento financeiro dos aportes. Eis a parte da decisão que nos interessa, proferida em 15 de março de 2011: O saldo de depósito em PGBL – Plano Gerador de Benefício Livre não ostenta nítido caráter alimentar, constituindo aplicação financeira de longo prazo, de relevante natureza de poupança previdenciária, porém susceptível de penhora. O mesmo sucede com valores em caderneta de poupança e outros tipos de aplicações e investimentos, que, embora possam ter originalmente natureza alimentar, provindo de remuneração mensal percebida pelo titular, perdem essa característica no decorrer do tempo, justamente porque não foram utilizados para manutenção do empregado e de sua família no período em que auferidos, passando a se constituir em investimento ou poupança. (REsp 1.121.719-SP, 4ª Turma, Relator Ministro RAUL ARAÚJO, julgado em Relator Ministro RAUL ARAÚJO, julgado em 15/03/2011, DJe de 27/04/2011).


Da decisão acima, proferida pela 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, surgiu a divergência com a que havia antes resolvido o REsp nº 1.012.915-PR , concluindo então a 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça o julgamento dos Embargos de Divergência em Recurso Especial nº 1.121.719-SP do seguinte modo: PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. SALDO EM FUNDO DE PREVIDÊNCIA PRIVADA COMPLEMENTAR. IMPENHORABILIDADE. INDISPONIBILIDADE DE BENS DETERMINADA À LUZ DO ART. 36 DA LEI 6.024/74. MEDIDA DESPROPORCIONAL. 1. O regime de previdência privada complementar é, nos termos do art. 1º da LC 109/2001, baseado na constituição de reservas que garantam o benefício, nos termos do caput do art. 202 da Constituição Federal, que, por sua vez, está inserido na seção que dispõe sobre a previdência social. 2. Embora não se negue que o PGBL permite o resgate da totalidade das contribuições vertidas ao plano pelo participante (art. 14, III, da LC 109/2001), essa faculdade concedida ao participante de fundo de previdência privada complementar não tem o condão de afastar, de forma inexorável, a natureza essencialmente previdenciária e, portanto, alimentar, do saldo existente. 3. Por isso, a impenhorabilidade dos valores depositados em fundo de previdência privada complementar deve ser aferida pelo juiz casuisticamente, de modo que, se as provas dos autos revelarem a necessidade de utilização do saldo para a subsistência do participante e de sua família, caracterizada estará a sua natureza alimentar, na forma do art. 649, IV, do CPC. 4. Ante as peculiaridades da espécie (curto período em que o embargante esteve à frente da instituição financeira e sua ínfima participação no respectivo capital social), não se mostra razoável impor ao embargante tão grave medida, de ter decretada a indisponibilidade de todos os seus bens, inclusive do saldo existente em fundo de previdência privada complementar. Pgbl. 5. Embargos de divergência conhecidos e providos. (EREsp nº 1.121.719-SP, Relatora Ministra NANCY ANDRIGHI, DJe de 04/04/2014).


Ficou assentado com essa última decisão que a aferição da natureza alimentar dos planos de previdência privada será feita em cada caso concreto através de análise das provas produzidas pela pessoa atingida pela constrição judicial, missão afeta aos tribunais locais que, seguindo essa orientação, têm afirmado em inúmeros casos a possibilidade de penhora dos saldos de capital nessas contas de previdência privada, destacando-se:


AGRAVO DE PETIÇÃO. PLANO DE PREVIDÊNCIA PRIVADA. PENHORABILIDADE. O plano de previdência privada nada mais é que um programa de investimento, que permite a acumulação de recursos, onde o contratante tem direito ao resgate parcial ou integral de suas provisões, antes mesmo do implemento da aposentação, o que certamente afasta a natureza salarial de suas parcelas, não se encontrando assim protegido pelo inciso IV, do art. 833 do CPC/2015. (TRT-1 – AP: 00836006020085010041 RJ, Data de Julgamento: 24/05/2016, Oitava Turma, data de publicação: 02/06/2016).

AGRAVO DE INSTRUMENTO – RECURSOS PROVENIENTES DE PREVIDÊNCIA PRIVADA – PENHORABILIDADE – NECESSIDADE DE ANÁLISE – CASUÍSTICA – INDISPENSABILIDADE PARA A SUBSISTÊNCIA NÃO CONFIGURADA – A quantia bloqueada pelo R. Juízo a quo, não pode ser reputada como indispensável à subsistência do agravante, mormente quando considerada a movimentação financeira havida em sua conta bancária e a ausência de demonstração da existência de despesas financeiras de grande vulto que pudessem demandar além do consumo de valor vultoso sacado e transferido de sua conta, a quantia transferida pelo plano de previdência. – Ausente o caráter alimentar da quantia bloqueada judicialmente, impossível o reconhecimento da impenhorabilidade do valor constrito. AGRAVO IMPROVIDO. (TJ-SP – AI: 21948462720168260000 SP 2194846-27.2016.8.26.0000, Relator: Maria Lúcia Pizzotti, Data de Julgamento: 15/03/2017, 30ª Câmara de Direito Privado, data de publicação: 12/04/2017).

EXECUÇÃO FISCAL. EMBARGOS. IMPOSTO DE RENDA PESSOA FÍSICA. PERCEPÇÃO ACUMULADA DE RENDIMENTOS. ARTIGO 12-A DA LEI Nº 7.713/1988. INAPLICABILIDADE. VALORES DEPOSITADOS EM FUNDO DE PREVIDÊNCIA PRIVADA. PENHORABILIDADE. 1. Conforme previsão inserta na Medida Provisória nº 497/2010, as disposições contidas no artigo 12-A da Lei nº 7.713/1988 apenas são aplicáveis aos casos em que o recebimento dos valores se deu a partir de 01/01/2010. Por se tratar de forma especial de tributação, aos valores percebidos preteritamente a essa data não se aplicam as novas disposições legais. 2. Segundo orientação do Superior Tribunal de Justiça, a impenhorabilidade dos valores depositados em fundo de previdência privada complementar deve ser aferida pelo juiz casuisticamente, de modo que, apenas se as provas dos autos revelarem a necessidade de utilização do benefício para a subsistência do participante e de sua família, restará caracterizada a natureza alimentar. (TRF-4 – AC: 50007230220134047122 RS 5000723-02.2013.404.7122, Relator: LUCIANE AMARAL CORRÊA MÜNCH, data de julgamento: 07/02/2017, SEGUNDA TURMA).

É interessante a posição firmada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo em vários casos, que primeiro tem autorizado a pesquisa acerca da existência de valores nesses fundos, para depois decidir por sua liberação. Certamente que as pesquisas feitas junto às instituições mantenedoras dos planos conterão ordens para bloquear eventuais valores encontrados, o que transferirá para um segundo momento a discussão sobre a possível liberação, que ficará a cargo do titular do plano, que tem a incumbência de provar que necessita dos valores para o sustento próprio e de sua família. Confira:


AGRAVO DE INSTRUMENTO – CUMPRIMENTO DA SENTENÇA – Decisão que indeferiu o pedido de expedição de ofício à CNSEG – Exequente que pretende pesquisar a existência de planos de previdência privada em nome dos devedores – O montante depositado nas mencionadas aplicações não é absolutamente impenhorável – Possibilidade da expedição do ofício, tal como requerido pela agravante – A impenhorabilidade de eventual plano de previdência complementar deverá ser analisada posteriormente – Decisão reformada – Recurso provido. (TJ-SP 21225827520178260000 SP 2122582-75.2017.8.26.0000, Relator Carlos Alberto Lopes, data de julgamento: 15/08/2017, 18ª Câmara de Direito Privado, data de publicação: 21/08/2017). 


Em conclusão, a penhorabilidade dos fundos aportados em planos de previdência privada revela-se possível atualmente, devendo esse ponto ser considerado na contratação ou manutenção dos valores nos contratos de PGBL e de VGBL, inclusive quanto à dificuldade que a parte interessada poderá ter de demonstrar que tem natureza alimentar, pois pode ocorrer seu bloqueio primeiro e não ser possível demonstrar depois a necessidade de uso desses recursos para o sustento próprio e o da família.

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