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Cláusula de sigilo em testamentos públicos


No final de 2019, mais precisamente no dia 5 de dezembro realizamos um webinar que teve como tema a cláusula de sigilo em testamentos públicos.


Achamos esse tema bastante interessante, dado que, por se tratar de ato que consta de documento público, pois esse tipo de testamento é realizado por tabelião mediante lavratura de escritura, não pode ser dada ampla publicidade ao seu conteúdo.


Vale observar que a escritura pública, lavrada em notas de tabelião, é documento dotado de fé pública, fazendo prova plena, diz o art. 215 do Código Civil, ao passo que o documento particular, enquanto não levado a registro, faz prova tão somente entre seus signatários.


O testamento público


O testamento público é escrito por tabelião ou por seu substituto legal em livro de notas, de acordo com as declarações do testador, que pode valer-se de minuta previamente elaborada, ou de anotações ou apontamentos.


Consiste em uma das formas mais seguras de testar porque depois de lavrada a escritura, o tabelião procede à sua leitura em voz alta perante o testador e duas testemunhas, que presenciam a realização de todo o ato. Após essa leitura o testamento é então assinado pelo testador, pelas testemunhas e pelo tabelião, fazendo prova plena da manifestação de vontade do testador.


Consulta ao Registro Central de Testamentos


É interessante observar que o Conselho Nacional de Justiça - CNJ, editou o Provimento nº 56, de 14/07/2016, que dispõe sobre a obrigatoriedade de consulta ao Registro Central de Testamentos On-Line (RCTO) para processar os inventários e partilhas judiciais e lavrar escrituras públicas de inventários extrajudiciais, o que por certo trouxe maior segurança e efetividade às disposições de última vontade das pessoas que se valem desse instrumento para dispor sobre seus bens e direitos quando morrem.


A regulamentação do sigilo dos testamentos


Em linhas gerais, a regulamentação existente sobre o assunto nos mostra que, enquanto vivo o testador, a divulgação do conteúdo de um testamento é bastante restrita, tendo acesso a ele o próprio testador ou procurador com poderes específicos para tanto.


Terceiros até poderão obter certidões desses atos, mas precisarão formular requerimento ao juiz corregedor, que decidirá fundamentadamente ante a justificativa apresentada pelo interessado em conhecer o conteúdo desse documento.


A questão a ser respondida


Um dos participantes do webinar de dezembro de 2019 nos formulou a seguinte questão: Fiz meu testamento por meio de escritura, mas não constou dela a cláusula de sigilo. Tem como incluí-la agora?


Ao que parece, surgiu dúvida sobre a necessidade de inserção desse tipo de cláusula em testamentos públicos.


O que foi explicado no webinar


Vimos naquela ocasião que o testador pode fazer constar do documento lavrado pelo tabelião determinação para que forneça certidão do conteúdo de seu testamento, enquanto estiver vivo, apenas mediante autorização dele, testador, para que assim fique preservada a disposição de última vontade e evite questionamentos e situações que possam fazê-lo mudar de ideia ou causar-lhe constrangimentos perante, por exemplo, seus herdeiros necessários.


Isso porque o testador pode prever a transmissão como bem entender de metade do seu patrimônio, que tem o nome de parte disponível, pois a outra metade será herdada pelos herdeiros necessários, correspondendo então à herança legal ou necessária.


Em linhas gerais, a parte disponível poderá ir para qualquer pessoa, pouco importando se integra ou não o núcleo familiar do testador, desde que haja testamento válido contendo esse tipo de previsão.


A regulamentação do assunto


É interessante observar que, no Estado de São Paulo, que é o local onde foi lavrado o testamento a que alude o internauta que nos formulou a pergunta, tem regra específica sobre o sigilo dessas disposições.


Pelas normas da Corregedoria Geral de Justiça do Estado de São Paulo, os tabeliães têm o dever de guardar sigilo sobre os documentos e os assuntos de natureza reservada a respeito dos quais, durante a averiguação notarial, na fase prévia à formalização instrumental, tomam conhecimento em razão do exercício dessa atividade.


Com relação aos testamentos públicos, as normas da Corregedoria Geral de Justiça do Estado de São Paulo são bem específicas (Provimento nº 56/2019), dizendo:


152. As certidões de escrituras públicas de testamento, enquanto não comprovado o falecimento do testador, serão expedidas apenas a seu pedido ou de seu representante legal, ou mediante ordem judicial.


152.1. Os interessados na obtenção de certidão de escritura pública recusada pelo Tabelião de Notas poderão, expondo por escrito as razões de seu interesse, requerê-la ao Juiz Corregedor Permanente, a quem competirá, se o caso, determinar, motivadamente, a sua expedição.


152.2. Com a prova do falecimento do testador, as certidões poderão ser expedidas livremente, independente do interesse jurídico de quem a solicite, que estará dispensado de expor as razões de seu pedido.


Em outros Estados, as regras são bem parecidas, como por exemplo o Provimento nº 260/CGJ/2013, que codifica os atos normativos da Corregedoria-Geral de Justiça do Estado de Minas Gerais relativos aos serviços notariais e de registro, que diz:


Art. 119. Qualquer interessado terá acesso gratuito à Central Eletrônica de Atos Notariais e de Registro através do sítio do TJMG para obtenção de informações sobre eventual prática dos atos referidos neste Provimento.


§ 1º Os atos referentes a testamentos não serão disponibilizados no endereço eletrônico mencionado no caput deste artigo. (Redação dada pelo Provimento nº 317/2016)


(...)


§ 3º O fornecimento de informações ou certidões sobre testamentos, extraídas da Central Eletrônica de Atos Notariais e de Registro, somente se dará mediante ordem judicial ou requerimento formulado por interessado ou por tabelião de notas que esteja lavrando escritura de inventário e partilha, protocolizado perante a Corregedoria-Geral de Justiça e devidamente instruído com a certidão de óbito do testador.


§ 4º Enquanto vivo o testador, só a este ou a mandatário com poderes especiais, outorgados através de procuração particular com firma reconhecida ou de instrumento público, poderão ser fornecidas as informações ou certidões sobre testamento, na forma do parágrafo anterior.


Também no Estado do Rio Grande do Sul a disciplina do assunto é a mesma, conforme se vê pelo texto da Consolidação Normativa Notarial e Registral da Corregedoria Geral da Justiça, instituída pelo Provimento nº 32/06-CGJ, atualizada até o Provimento nº 021/2019-CGJ (Julho/2019):


Art. 637. Qualquer pessoa poderá requerer certidão, verbalmente, sem importar as razões de seu interesse.


§ 1º Enquanto vivo o testador, só a este ou a procurador com poderes especiais poderão ser fornecidas informações ou certidões de testamento.


§ 2º Para o fornecimento de informação e de certidão de testamento, no caso de o testador ser falecido, o requerente deverá apresentar ao tabelião a certidão de óbito do testador.


Assim, do testamento público feito por essa pessoa, mesmo não contendo a cláusula de sigilo, somente poderão ser dadas certidões dessa maneira, ou seja, há necessidade de a solicitação partir do próprio testador ou de autorização expressa dele. Além disso, terceiros interessados terão de formular requerimento ao juiz corregedor, expondo os fundamentos e justificando esse pedido, caso queiram conhecer o conteúdo do documento.


Depois da morte do testador, as certidões serão expedidas livremente, bastando a apresentação da certidão de óbito.


O que fazer neste caso?


Constatamos então que mesmo não constando nenhuma previsão expressa em um testamento já lavrado, o sigilo quanto ao seu conteúdo será preservado ante a regulamentação dada pelas Corregedorias Gerais de Justiça dos Estados.


Não vemos, então, necessidade alguma de inserir essa cláusula agora.


Recomendação


Entretanto, é possível modificar a qualquer tempo um testamento, por se configurar esse ato como plenamente revogável (exceto com relação ao reconhecimento de filhos), de maneira que é recomendável que nesse caso específico, tendo o testador interesse em promover alguma alteração no ato já lavrado ou se tiver interesse em revogá-lo para elaborar outro, com conteúdo totalmente diferente, poderá então fazer constar da nova redação a cláusula de sigilo, com dizeres mais ou menos assim:


Que o testador determina, enquanto vivo for, que a este testamento seja aplicado o caráter de sigilo, de maneira que somente será fornecida certidão deste ato, a pedido do próprio testador ou, após sua morte, a qualquer pessoa interessada e, em tal hipótese, somente mediante a apresentação da respectiva certidão de óbito.


Conclusão


Enfim, embora não haja necessidade, a inserção de cláusula de sigilo dará maior conforto e segurança ao testador, tendo em vista que a regulamentação dada pelas Corregedoria Gerais de Justiça dos Estados podem sofrer modificações contemporizando ou relativizando o acesso ao conteúdo desses documentos.


Com a previsão dessa cláusula de forma expressa, o sigilo estará protegido por sua configuração como ato jurídico perfeito e acabado, não podendo ser atingido por novas regras editadas por essas Corregedorias Gerais de Justiça, em respeito ao princípio da irretroatividade das leis.

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