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O ITCMD incide sobre as dívidas do espólio?


Uma questão que tem sido levantada com frequência ultimamente diz respeito à base de cálculo do ITCMD - Imposto sobre a Transmissão Causa Mortis e Doações, cuja legislação paulista, dentre outras do país, prevê de maneira textual a não dedução das dívidas da base de cálculo no momento da apuração desse imposto.


Nos termos do art. 12 da Lei Paulista nº 10.705, de 28 de dezembro de 2000, No cálculo do imposto, não serão abatidas quaisquer dívidas que onerem o bem transmitido, nem as do espólio, estando evidente que tal dispositivo buscou ampliar o conceito de herança para efeitos tributários, considerando tão somente os bens e direitos, excluindo de forma taxativa as dívidas. 


Justamente por existirem dívidas, em alguns casos isso eleva a tributação desse imposto a níveis indesejados. Basta ver que, num inventário em que se transmitem bens e direitos mas também um financiamento agrícola em valor equivalente de, por exemplo, R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais), haverá o pagamento de 4% de ITCMD sobre esse valor, arrecadando o Estado de São Paulo, R$ 40.000,00 (quarenta mil reais).


É de se observar que o Código Tributário Nacional afirma textualmente em seu artigo 110 que o legislador tributário não pode modificar os conceitos, institutos e formas do Direito Privado para efeito de ampliar a incidência de tributos. A redação desse dispositivo é a seguinte: Art. 110. A lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências tributárias.


Partindo desse contexto, vemos que o Código Civil, ao regular a sucessão causa mortis, afirma que, aberta a sucessão, transferem-se os bens, direitos e obrigações aos sucessores, o que se dá no instante do falecimento do autor da herança. Isso é o que decorre do art. 1.784 do referido Código Civil. E, ao tratar da herança em si, o legislador civil afirma que se trata de um todo unitário, ou seja, uma universalidade de bens, direitos e obrigações, conforme reza o art. 1.791, cujo texto afirma: A herança defere-se como um todo unitário, ainda que vários sejam os herdeiros.


Comentando esse dispositivo, Mauro ANTONINI explica que Sendo a herança uma universalidade, sobre ela os herdeiros têm partes ideais, não individualizadas em face de determinados bens. Por isso é considerada, até a partilha, como um todo unitário. (Código Civil comentado, doutrina e jurisprudência. Obra coordenada por Cezar Peluso, 7ª edição, revista e atualizada. São Paulo: Manole, 2013, p. 2160).


E o mesmo Código Civil afirma no seu art. 1.792 que O herdeiro não responde por encargos superiores às forças da herança; incumbe-lhe, porém, a prova do excesso, salvo se houver inventário que a escuse, demostrando o valor dos bens herdados.


Comentando esse dispositivo, o mesmo autor afirma que Herança é o conjunto do patrimônio do de cujus (abreviatura da expressão aquele de cuja sucessão se trata), incluindo o ativo e o passivo por ele deixados. Com a ressalva de que os herdeiros só respondem pelo passivo nos limites das forças da herança (art. 1.792). (Obra citada, p. 2139).


A partir desse raciocínio inúmeros contribuintes do ITCMD ingressaram com medidas judiciais obtendo decisões favoráveis tanto em primeira quanto em segunda instâncias, firmando o Tribunal de Justiça de São Paulo entendimento pacificado sobre o assunto. É o caso, por exemplo, dos seguintes julgados: Agravo de Instrumento 2166002-62.2019.8.26.0000, Relator Desembargador Leonel Costa, 8ª Câmara de Direito Público, data de registro: 17/10/2019. Apelação Cível 0005175-89.2009.8.26.0541, Relator Desembargador Luiz Antonio Costa, 7ª Câmara de Direito Privado, data de registro: 09/09/2019. Apelação / Remessa Necessária 1009995-94.2019.8.26.0053, Relator Desembargador Alves Braga Junior, 2ª Câmara de Direito Público, data de registro: 18/07/2019)


Finalmente, em precedente do Supremo Tribunal Federal (STF, 1.ª Turma, AgrReg no Agr. de Instrumento n.º 733.976/RS, Rel. Min. DIAS TOFFOLI), o Ministro Dias TOFFOLI referendou esse entendimento adotando também a expressão patrimônio líquido como a base de cálculo para o imposto, pois ele reflete o que resta do patrimônio deixado pelo de cujus, concluindo: À luz das lições colacionadas, impõe-se a seguinte conclusão: se o imposto é sobre transmissão de patrimônio, a base de cálculo deve ser uma medida do patrimônio (que será o patrimônio transferido). Os impostos incidem sobre signos presuntivos de riqueza. O universo tributável deve corresponder à uma mensuração da riqueza auferida. Tributar fato alheio à riqueza, a título de imposto, importa em confisco. Se a base de cálculo não corresponde ao acréscimo no universo patrimonial daquele que figura como contribuinte, a conclusão é óbvia: a base de cálculo não se coaduna com a hipótese de incidência. Ao vedar as deduções, a lei estadual impede a tributação sobre a transmissão do patrimônio líquido (quantum efetivamente transmitido) e assim deforma a regra matriz de incidência. 


Finalizando, consistindo a herança em uma universalidade de bens, direitos e obrigações, a sua transmissão se opera de pleno direito, dando-se essa transmissão no exato momento da morte do autor da herança, o de cujus, aos seus sucessores legais ou testamentários.


A transmissão desse acervo necessita considerar então o conceito de patrimônio líquido, que é aquilo que resta de patrimônio depois de deduzidas as dívidas passivas do autor da herança.


Realizada essa dedução, a incidência do ITCMD se mostrará mais justa e adequada aos conceitos, princípios e formas do Direito Privado. Como o Fisco Paulista não admite essa dedução, pois não há formulário em ambiente digital que permita a subtração das dívidas, é necessário ao contribuinte do imposto, o herdeiro, ingressar com medida judicial para obter esse benefício.

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